quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Bungee Jumping social

Agora viver debaixo da ponte está ao alcance de todos. Há uma empresa sedeada na Holanda que propicia umas férias muito especiais. Por um preço nada simbólico, é oferecida a sensação de ser um sem-abrigo, nas ruas de Paris ou Londres. A organização distribui um cartão e assegura a segurança aos seus clientes. Como se não ter casa fosse divertido, e se colocasse a dúvida: vou para as Seicheles ou para debaixo de uma das pontes do Sena? Da mesma forma, no Brasil, fazem-se visitas guiadas às favelas. É a pornografia da pobreza, que, por algum motivo, seduz aqueles que não são pobres. Não para deixarem tudo e tornarem-se um deles, à imagem de um santo ou coisa assim, mas para ter uma experiência radical, como quem faz bungee jumping.

Um salto para o abismo, com a segurança do elástico que nos prende e nos puxa novamente para cima. Mas as sociedades são suficientemente acidentadas para podermos cair num precipício sem rede, nem corda, nem tempo para nos agarramos às paredes. O desemprego está a crescer, mais vale não brincar aos pobres. E nos Estados Unidos, terra de oportunidades onde se ‘cai na rua’ com uma facilidade incrível, vários blogues mostram que qualquer um pode ser um sem-abrigo.

O bungee jumping social tem como factor positivo, pelo menos, o interesse pelo Outro. Mesmo que seja uma curiosidade mórbida, para os dias que correm, não está mal. Há quem resolva o seu mal-estar com esse mundo de forma menos obscena. No documentário de Rui Simões, Ruas da Amargura, que agora se estreia em sala, encontramos algumas dessas personagens que habitam o submundo de Lisboa. E, lado a lado, uma série de voluntários que dedicam o seu tempo a ajudá-las. Sem fazer turismo.

Se a ideia é apenas conhecer melhor os jardins da cidade, mais vale fazê-lo de forma abrigada, como o eco-resort alternativo, de um só quarto, montado no Jardim da Estrela (ver www.dass.pt). Quanto ao resto, já se sabe: a rua não é sítio onde se more e é uma vergonha social não conseguirmos dar a volta a isso.

2 comentários:

Micael Sousa disse...

Um exemplo típico de que o capitalismo puro consegue ser um excelente reciclador e aproveitar tudo e todos para maximizar lucros. É quase o cúmulo da eficiência, aproveitar os aspectos mais negativos deste modelo social e económico para se conseguir mais e mais proveitos, mas para não variar os beneficiários são sempre os mesmos, aqueles que seguem as regrar do capital, que o têm e tendo-o mais e mais conseguem amealhar num ciclo inquebrável. Sim à liberdade de ganhar o nosso próprio dinheiro, mas com ética.

Celestino disse...

É bem verdade que há em tudo isso uma ponta de perversidade, «capitalismo puro», como diz, e bem, o Micael, porém, trata-se tudo (na minha perspectiva) de um jogo, daí eu discordar de que haja um ciclo inquebrável, perpétuo... socorro-me da letra de uma canção que diz «às vezes, as coisas mudam de lugar e quem perdeu pode ganhar...», para expor a minha convicção de que, ainda que seja improvável erradicar uma classe oprimida (por força da bipolarização que sustenta o universo, e não só!), é possível ver o oprimido de hoje transformar-se no opressor de amanhã, se calhar com uma bagagem ética maior e ou melhor (por vir de "baixo"), o que pode ajudar...